quinta-feira, 2 de novembro de 2017

 2.3 Educação Infantil e os Paradigmas da Contemporaneidade

Em 1996, com a implementação da LDB[1], lei 9394/96[2], grifou-se a Educação Infantil como a base da Educação Básica, e mesmo antes disso, na Constituição de 1988, a lei já garantia à criança o direito de estar nas creches e pré-escolas, por isso se observa essa grande expansão da Educação Infantil pelo país. Mas para se alcançar essa realidade, o ensino infantil pereceu por muito tempo destinado às classes mais pobres e menos favorecidas de nossa sociedade.
As escolas de Educação Infantil no Brasil passaram por privações culturais, uma vez que eram vistas como obras assistencialistas, não sendo reconhecidas como locais de estudo, mas como espaços onde as mães ou as famílias que não tinham condições financeiras poderiam deixar seus filhos; até atingirem seu patamar educacional, os acontecimentos citados lhes custaram muitos rótulos.
 Diferente da Europa e dos Estados Unidos, no Brasil, as escolas de Educação Infantil ou creches não tiveram seu caráter pedagógico, mas sim de assistência, como as rodas do exposto, que eram apoiadas pela alta sociedade. Contudo, o maior intuito era esconder o adultério das mulheres ou os filhos das mães solteiras, quase sempre filhos de mulheres da corte, pois somente essas tinham motivos para constrangimento e para se descartarem do filho indesejado.
A sociedade ainda via a criança como um ser indiferente, ao mesmo tempo em que retirava do homem a responsabilidade da paternidade, visto que se vivia numa sociedade patriarcal. A criança era algo sem muita importância, “concebida como um objeto descartável, sem valor intrínseco de ser humano” Rizzo (2003). Tudo isso contribuiu para a “Roda de Exposto”[3]. Sendo que no Brasil ela só foi extinta a partir de 1923 com o decreto nº 16.306 que vetou a Roda de Expostos na cidade do Rio de Janeiro, então Distrito Federal.
 As creches são resultado da articulação de interesses políticos, médicos, empresariais, jurídicos, pedagógicos, religiosos e econômicos; os primeiros registros sobre creches no Brasil datam de 1879. O despertar do interesse da medicina pelo universo infantil no Brasil se deu a partir de meados do século XIX e se intensificou nas primeiras décadas do século XX.  Onde os médicos-higienistas condenavam práticas como a contratação de amas-de-leite do sistema Roda de Expostos. A década de 1970 marca-se pela entrada triunfal da influência médico-higienista nas questões educacionais.
Fatores como a mortalidade infantil e a desnutrição acabaram por chamar a atenção das autoridades da época, inclusive as religiosas, empresários e educadores, fazendo com que pensassem em um local para as crianças, surgindo assim as creches; esse seria um local diferente do âmbito familiar, “ o problema é que a criança começou a ser vista pela sociedade com um sentimento filantrópico, caritativo, assistencial, começando a ser atendida fora da família” Didonet, (2001).
A visão que funda a creche, portanto, não é voltada para a criança, ou mesmo para a mulher, mas a das necessidades oligárquicas e posteriormente capitalistas. A creche era pobre porque era para os mais necessitados (e negros): crianças e mães. Para os mais pobres e as mães trabalhadoras, a creche passou a ser um local onde deixariam os filhos em alguns períodos, mas que mesmo assim a educação ainda era papel das famílias, tornando claro que seria apenas um local para deixar e não para transmitir a educação, como cita Didonet:

Enquanto as famílias mais abastadas pagavam uma babá, as pobres se viam na contingência de deixar os filhos sozinhos ou colocá-los numa instituição que deles cuidasse. Para os filhos das mulheres trabalhadoras, a creche tinha que ser de tempo integral; para os filhos de operárias de baixa renda, tinha que ser gratuita ou cobrar muito pouco; ou para cuidar da criança enquanto a mãe estava trabalhando fora de casa, tinha que zelar pela saúde, ensinar hábitos de higiene e alimentar a criança. A educação permanecia assunto de família. Essa origem determinou a associação creche, criança pobre e o caráter assistencial da creche (Didonet, 2001, p. 13).

As creches não tinham esse caráter educacional, estavam mais voltadas para o assistencialismo e a caridade com os mais pobres, pois os ricos tinham condição de pagar pessoas para cuidarem das suas crianças, enquanto as famílias mais pobres pagavam pouquíssimo, ou nada; era um serviço pobre para os pobres, mas somente de cuidados. Sendo assim, não abriam mão da educação, que sempre ficava sob os cuidados diretos das famílias.
Mesmo tendo um caráter assistencial, as creches tiveram seu advento ainda nas rodas de expostos, cuidando de crianças abandonadas pelas famílias. Essas rodas funcionavam em casas que tinham uma roda divida ao meio. A mãe, ou alguém da família, colocavam a criança na mesa e giravam-na, puxando uma corda que tocava o sino e avisava que uma criança acabara de ser abandonada; ao fazer esse acolhimento, iniciava-se o assistencialismo, portanto, as creches, “apresentavam as suas justificativas para a implantação de creches, asilos e jardins de infância onde seus agentes promoveram a constituição de associações assistenciais privadas” Kuhlmann Jr. (1998). Ao extinguirem as rodas de exposto, criavam algo, se não igual, mas com o mesmo intuito de ajudar diretamente de forma caridosa as crianças.
As creches tiveram o seu momento de apogeu. Assim, passaram a cuidar mais das crianças. No âmbito federal, criaram-se vários órgãos de proteção à criança, direcionando-as no caminho da educação, como cita Kuhlmann Jr.:

No nível federal, a Inspetoria de Higiene Infantil, criada em dezembro de 1923, é substituída em 1934 pela Diretoria de Proteção à Maternidade e à Infância, criada na Conferência Nacional de Proteção à Infância, em 1933. Em 1937, o Ministério dos Negócios da Educação e Saúde Pública passa a se chamar Ministério da Educação e Saúde, e aquela Diretoria muda também o nome para Divisão de Amparo à Maternidade e à Infância. Em 1940, cria-se o Departamento Nacional da Criança (DNCr) (Kuhlmann Jr., 2000, p. 8).

Em praticamente todos os âmbitos a criança tinha um órgão que a protegia, que dava assistência de forma social. É preciso destacar que grande parte das crianças atendidas pelos órgãos era pobre, e que seus familiares tinham que deixá-las nas creches para poder trabalhar. As creches, por sua vez, ainda não desenvolviam diretamente a educação com conteúdos: eram tidas como passatempo. “A discussão sobre o papel da educação infantil encontrava fortes argumentos para se entender à orientação assistencialista como não-pedagógica, tanto em aspectos administrativos – como a vinculação de creches e pré-escolas a órgãos de assistência social” Kullmann Jr (2000). As escolas e creches não tinham sido vistas ainda como locais de aprendizagem, com teorias e planos pedagógicos.
A Educação Infantil no Brasil ganha força, mas não por uma questão educacional. Com a expansão das indústrias e como uma forma de conter os grandes movimentos sindicalistas que passaram a exigir mais qualidade e melhorias, e os empresários começam a oferecer benefícios, entre eles a implantação de creches, como sugere Oliveira:

Os donos das fábricas, por seu lado, procurando diminuir a força dos movimentos operários, foram concedendo certos benefícios sociais e propondo novas formas de disciplinar seus trabalhadores. Eles buscavam o controle do comportamento dos operários, dentro e fora da fábrica. Para tanto, vão sendo criadas vilas operárias, clubes esportivos e também creches e escolas maternais para os filhos dos operários. O fato dos filhos das operárias estarem sendo atendidos em creches, escolas maternais e jardins de infância, montadas pelas fábricas, passou a ser reconhecido por alguns empresários como vantajoso, pois mais satisfeitas, as mães operárias produziam melhor (Oliveira, 1992, p. 18).
O resultado da implantação de creches, maternais e jardins de infância não era visto como prioridade para o desenvolvimento do menor, e sim para que as mães operárias, sentindo-se segura a respeito de seus filhos, fossem capazes de produzir mais e melhor, e estando perto da cria, estariam satisfeitas com seus patrões. Mas as creches, nessa altura do século XX, passaram por um processo dicotômico, ou seja, desviavam seu caráter de assistencialismo a favor da larga produção industrial, a favor dos patrões e não da educação que essas crianças teriam.
Com o surgimento dos movimentos feministas advindos dos Estados Unidos em meados de 1970, as mulheres acabam por despertar uma exigência maior sobre os direitos e começaram a cobrar uma educação compensatória, que retiraria os seus filhos da extrema condição de pobreza e riscos; faltariam a essas crianças, privadas culturalmente, determinados atributos ou conteúdos que deveriam ser nelas incutidos.
Essa compensação viria em forma de educação, mas, mesmo assim, não seria o suficiente para sanar toda a carência da pobreza existente. De acordo com Kramer, a respeito dessa tentativa de suprir a carência educacional:

A proposta que ressurge, de elaborar programas de educação pré-escolar a fim de transformar a sociedade no futuro, é uma forma de culpar o passado pela situação de hoje e de focalizar no futuro quaisquer possibilidades de mudança. Fica-se, assim, isento de realizar no presente ações ou transformações significativas que visem a atender às necessidades sociais atuais (Kramer, 1995, p. 30).

Passam a culpar o passado por algo que desde sempre aconteceu, a desvalorização da criança e a negligência quanto à sua educação, ao passo que os governos se isentavam de investir no presente, deixando de lado qualquer forma de investimento na educação para os menores de 0 a 6 anos, e o pouco que faziam não era com a visão educacional, mas apenas como um pretexto social e sob uma visão beneficente.
A educação no Brasil começa sua expansão por São Paulo, e tem no manifesto dos pioneiros da Escola Nova uma função básica, que é a de aproximar as instituições das crianças e desenvolver nas instituições de educação e assistência física e psíquica as crianças na idade pré-escolar (creches, escolas maternais e jardins-de-infância) e de todos os núcleos pré-escolares e pós-escolares, trazendo para o cotidiano dos segmentos os cuidados necessários para manter a criança dentro das escolas, dando-lhe, assim, suporte para se desenvolver como pessoa.
Com o tempo, as escolas maternais deixaram de ser tachadas como escolas para pobres e passaram a ser vistas de forma mais educativa. Com a criação dos parques infantis, que se iniciam em São Paulo e depois se expandem em Minas Gerais, Distrito Federal, Recife, Bahia, Rio Grande do Sul e no próprio interior paulista, as crianças começam a ter uma local que dá indícios de que as instituições tendem a cuidar não só do cotidiano das mesmas, mas também da sua educação como um todo; nesse momento, as escolas já começam a sair do assistencialismo para uma postura mais voltada à educação de conteúdos; ressaltando essa mudança, “Os médicos do DNCr[4] não se ocuparam apenas da creche, mas de todo o sistema escolar, fazendo valer a presença da educação e da saúde no mesmo ministério” Kullmann Jr (2000). Ao surgirem as preocupações não só com a saúde, mas com a educação direta do menor carente, cria-se um novo modelo em educar com conteúdos e não somente as brincadeiras, os passatempos e cuidados com a saúde da criança. 
Embora a conquista da Educação Infantil no Brasil tenha mais de um século de existência, foi somente nos anos 90 que passou a ter um maior valor para a família, para a sociedade e para o governo, que a tornou obrigação para a família,embora tenha mais de um século de história, como cuidado e educação extradomiciliar, somente na década de 90 foi reconhecida como direito da criança, das famílias, como dever do Estado e como primeira etapa da Educação Básica” Farias (2007). E com a inclusão da Educação Infantil na LDB 9394/96 é que se verificou a necessidade de educar cada vez mais cedo.
A verificação de que a Educação Infantil é uma necessidade na formação de uma sociedade igualitária é motivo para que as grandes mudanças notadas nos últimos trinta anos sejam cada vez mais percebidas, e que existam investimentos mais rápidos e eficazes na educação dos anos iniciais, como coloca Kramer:

A situação da cobertura se alterou muito nos últimos 30 anos no Brasil, com avanços mais visíveis em relação às crianças de 4 a 6 anos, mas com um panorama ainda preocupante em relação àquelas de 0 a 3, nas creches. No que diz respeito à qualidade do trabalho realizado, os debates teóricos, os embates dos movimentos sociais e os esforços das políticas públicas (se­cretarias municipais, secretarias estaduais e Ministério da Educação) têm-se dirigido especialmente à busca de consenso sobre os critérios de quali­dade para a educação infantil, o delineamento de alternativas curriculares e a formação de professores. Persistem inúmeros desafios: da concepção de políticas à implementação de propostas pedagógicas e às práticas, muitas são as conquistas a obter, tanto em termos teóricos quanto curriculares (Kramer, 2009, p. 13).

Preocupações não somente com relação ao investimento financeiro, mas com os resultados que estão prestes a serem colhidos; os desafios também são muitos, tanto nas propostas quanto nas práticas, nos conteúdos, nas teorias, nas políticas públicas para a educação geral e infantil, e, sobretudo, a respeito da qualidade do trabalho aplicado na sala de aula, acerca da formação dos professores.
 Pensando nisso, o governo cria em 1990 o RECNEI (Referencial Curricular Nacional da Educação Infantil), que tem o propósito de formar e direcionar o professor da Educação Infantil no desenvolvimento de seu trabalho como educador. O RECNEI consiste em um guia de reflexão, cujo objetivo é contribuir para a elaboração dos projetos edu­cacionais propostos pelas instituições de Educação Infantil; essas reflexões são as bases que cada professor vai trabalhar para melhor desenvolver seu trabalho como educador.
Os movimentos sociais que se deram nas últimas três décadas, inclusive resultando nos textos da Constituição de 1988, ECA, LDB e Plano Nacional de Educação e FUNDEB, transformaram o conceito de creche em um direito da criança, passando a dar um suporte maior e uma ênfase mais justa e digna na educação dos pequenos, deixando de ser uma educação assistencialista para ser uma educação de conteúdos, de desenvolvimento cognitivo, de formação da cidadania e criticidade da realidade.
Ao desenvolver essa Educação Infantil, seria impossível não desenvolver uma capacitação para o professor das séries iniciais; alguns projetos são trabalhados, levando assim uma capacitação maior para o educador. O Proinfatil e o Proletramento são projetos que, articulados, levam uma gama muito grande de informação e formação para o profissional dessa área especifica. De acordo com Brasil, o Proinfantil é:

Curso em nível médio, à distância, na modalidade Normal. Parceria entre o Ministério da Educação, por intermédio da Secretaria de Educação Básica e da Secretaria de Educação à Distância. Destinado a professores da Educação Infantil, em exercício nas creches e pré-escolas das redes públicas, municipais e estaduais, e da rede privada, sem fins lucrativos, comunitárias, filantrópicas ou confessionais, conveniadas ou não. Carga Horária: 2 anos, 3.200hs distribuídas em quatro módulos semestrais de 800hs cada. A Matriz Curricular está dividida em seis áreas de conhecimento. Em 2007, o programa atendeu o total de 2.877 professores de 191 municípios brasileiros (Brasil, 2000, p. 4).

Nessa formação, os professores aprendem técnicas e teorias que os ajudam no processo educacional, aprendendo a lidar com crianças e suas inesperadas situações. Muitos docentes conseguem atingir um bom trabalho e passam a ver resultados bem rápidos; claro que não é algo só da escola e do educador, é necessário também uma participação familiar, uma interação entre escola, família e comunidade para fazer valer essa educação. A LDB 9394/96, no seu artigo 29, diz que: “A Educação Infantil, primeira etapa da Educação Básica, tem como finalidade o desenvolvimento integral da criança até seis anos de idade, em seus espaços físico, psicológico, intelectual e social, complementando a ação da família e da comunidade”. De nada vale o educador trabalhar sozinho se a família não integrar diretamente esse encargo.
Garantir a educação é algo que está nas leis desde muito tempo, embora só recentemente se esteja fazendo valer essa legislação, principalmente no que diz respeito à educação de crianças de zero a seis anos. O artigo 30, I, da LDB afirma que: “A Educação Infantil será oferecida em creches, ou entidades equivalentes, para crianças de até três anos de idade; II: pré-escolas para crianças de quatro a seis anos de idade”. Além de ser algo garantido também na Constituição Federal de 1988, que diz: O dever do Estado para com a educação será efetivado mediante a garantia de oferta de creches e pré-escolas às crianças de zero a seis anos de idade” (BRASIL, 1988). De todos os lados são garantidos a educação na formação do cidadão.
Outra lei que garante no Brasil a Educação Infantil é o Estatuto da Criança e do Adolescente, de 1990, que apoiado na LDB 9394/96 (BRASIL, 1996), destaca que “a finalidade da Educação Infantil é promover o desenvolvimento integral da criança até seis anos de idade, complementando a ação da família e da comunidade”.
Em 2006 é criado o Programa Nacional de Educação Infantil, o PNEI, que realizou várias pesquisas, estudos e formações para melhor trabalhar a educação com crianças de 0 a 6 anos, e juntamente com o então Comitê Nacional de Educação tenta elaborar planos para melhorias na Educação Infantil. Nesse meio, criam-se, em parceria com as secretarias municipais de educação e com a União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (UMDIME), oito seminários regionais (nas capitais: Belo Horizonte, Natal, Belém, Recife, São Paulo, Porto Alegre, Goiânia e Manaus) para discussão do documento preliminar.





[1] Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
[2] Lei nº 9.394: Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB). Diário Oficial da União, Bra­sília, Seção 1, p. 1-9, dez. 1996. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9394.htm. Acesso em: 20 março 2013.
[3] Concepções com origem ilícita que promoviam o aborto, infanticídio ou abandono. Destinada a recolher crianças de mulheres livres brancas, pardas ou negras sem condição definida e sem família para protegê-las.

[4] Departamento Nacional da Criança (DNCr), Em 1940, KUHLMANN Jr. Moises, Histórias da educação infantil brasileira, revista brasileira de educação, 2000, p. 9.
ASSIS: Francisco das Chagas Marques Silva de: a atuação do gênero masculino na educação infantil: uma análise da realidade em duas escolas de educação infantil de parnaíba-pi. trabalho de conclusão de curso em LICENCIATURA PLENA EM PEDAGOGIA, UNIVERSIDADE ESTADUAL DO PIAUI- UESPI.2013

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