As referências usualmente feitas de inclusão no campo da
educação consideram as dimensões pedagógica e legal da prática
educacional. Sem dúvida, dois campos importantes quando se pretende
a efetivação destes ideais. No entanto, uma importante ampliação da
discussão sobre os caminhos das políticas públicas para a inclusão escolar
seria a consideração do contexto em que se pretende uma sociedade
inclusiva.
As instituições educacionais, organizadas para estabelecer modelos de relações
sociais, reproduzem com eficiência a lógica das sociedades. Trata-se de um lugar
legitimado socialmente onde se produzem e reproduzem relações de saber-poder, como
já teorizado por Foucault (1987). Nestas, a lógica das classificações sempre foi necessária
para o estabelecimento da ordem e do progresso social. Daí pode advir a idéia de que
a escola, como mais um equipamento de disciplinamento social, não foi concebida para
ser inclusiva, mas para ser instrumento de seleção e capacitação dos “mais aptos” a uma
boa conduta social.
A efetivação de uma educação inclusiva neste contexto secular não é tarefa
fácil. Não menos desprovida de dificuldades é a tarefa de um Estado que intenta
organizar uma política pública que, como tal, se empenha na busca de um caráter de
universalidade, garantindo acesso a todos os seus cidadãos às políticas que lhes cabem
por direito.
O campo da inclusão, entretanto, fundamenta-se na concepção de diferenças,
algo da ordem da singularidade dos sujeitos que acessam esta mesma política. Como
não torná-la, a cada passo, um novo instrumento de classificação, seleção, reduzindo os
sujeitos a marcas mais ou menos identitárias de uma síndrome, defi ciência ou doença
mental?
Um possível recurso de que poderia se lançar mão neste sentido, seria o de
uma lógica que oferecesse elementos de processualidade ao longo deste trajeto. Pelo
simples fato de se tratar, não somente em discurso, mas na prática cotidiana, de uma
rede de relações no trabalho educativo que estão instituídas há séculos e que se repetem
como naturais e definitivas. É por dentro desta lógica que uma política macro quer se
instaurar.
Uma nova concepção de educação e sociedade se faz por vontade pública e é
essencial que o sistema educacional assuma essa vontade. Para operar as transformações
nos modos de relação dentro da escola é, também, necessário que os profi ssionais
envolvidos tomem para si a tarefa de pensar estas questões de forma reflexiva e coletiva.
Dito de outra forma, é necessário que todos os agentes institucionais percebam-se como
gestores e técnicos da educação inclusiva.
Nesta perspectiva, é essencial que o exercício social e profi ssional destes
agentes esteja sustentado por uma rede de ações interdisciplinares, que se entrelacem
no trabalho com as necessidades educacionais especiais dos alunos.
2. PROCESSO DE INCLUSÃO
A investigação dos aspectos que necessitam evoluir na política
de educação especial requer que se situe como este processo vem
acontecendo efetivamente nas redes de ensino. Considerando que a
inclusão de crianças com necessidades educacionais especiais produz
impasses no cotidiano escolar que exigem um constante repensar das
práticas pedagógicas é importante a análise de alguns aspectos do
contexto atual da inclusão no país.
Os temas, delineados a partir de um mapeamento realizado em
diferentes espaços educacionais, representam uma síntese dos principais
aspectos percebidos como tensionadores do processo e emergiram da
análise das opiniões dos diferentes segmentos da comunidade escolar
envolvidos com a proposta de inclusão, as quais foram obtidas através de
observações, de entrevistas semi-estruturadas, de grupos de discussão,
bem como de diferentes experiências profi ssionais existentes.
2.1 Comunidade Escolar e a Política de Inclusão
A associação mais imediata e comum no ambiente escolar,
quando se trata de questionar posições acerca da política de educação
inclusiva, é a de mais um encargo que o sistema educacional impõe
aos professores. Mesmo sendo favoráveis à concepção contida na lei
e percebendo os benefícios que sua implementação traria a toda a
sociedade, o temor e as preocupações daí decorrentes são inevitáveis.
Algumas expressões como: “a inclusão é forçada” ou “é inclusão só de
fachada” sinalizam as dificuldades em lidar com o acesso de pessoas
com necessidades educacionais especiais no ensino regular.
As escolas, de modo geral, têm conhecimento da existência
das leis acerca da inclusão de pessoas com necessidades educacionais
especiais no ambiente escolar e da obrigatoriedade da garantia de vaga
para estas. As equipes diretivas respeitam e garantem a entrada destes
alunos, mostrando-se favoráveis à política de inclusão, mas apontam
alguns entraves pelo fato de não haver a sustentação necessária,
como por exemplo, a ausência de definições mais estruturais acerca da
educação especial e dos suportes necessários a sua implementação.
Não raro ouve-se nas escolas referências a alunos com
necessidades educacionais especiais como “os alunos da inclusão”, o que
sugere o questionamento sobre o modo como são percebidos diante
dos demais alunos. “Tenho vinte e cinco alunos, dois de inclusão”,
comenta um professor. Além da evidente concepção de uma educação
voltada para a “normalidade”, tal idéia contrapõe-¬se à compreensão
da inclusão, largamente defendida na bibliografia, como um processo
que deve abranger todas as diferenças.
Outra evidência da fragilidade que ainda se encontra no
entendimento do processo inclusivo diz respeito aos critérios utilizados
na seleção e encaminhamento dos alunos com necessidades educacionais
especiais. É senso comum nas escolas que todo “aluno com condições
de aprendizagem formal” deve ser encaminhado para escola de ensino
regular. No caso, os educadores consideram as escolas cicladas como as
mais preparadas para receber estes alunos, já que o sistema por ciclos de
formação possibilita o convívio com as diferenças e com colegas de sua
idade. No entanto, ressaltam que algumas crianças e adolescentes não
possuem condições de freqüentar a escola regular comum e, em alguns
casos, nem a escola especial.
Existe ainda, uma certa resistência em pensar a transformação
do espaço da escola especial, pois muitos acreditam que sua estrutura
também é inclusiva, promotora de laço social e que somente nela seria
possível a permanência de algumas das pessoas com necessidades
educacionais especiais. Porém, neste aspecto se evidencia uma
contradição, enquanto a escola regular comum em cumprimento à
legislação deve receber todo e qualquer aluno, a escola especial ainda
mantém certos critérios de seleção, os quais permitem que não receba
alguns casos com quadros psíquicos graves e/ou defi ciências múltiplas.
Este é um importante paradoxo verificado no atual panorama da política
de educação especial.
Outra ressalva bastante proferida pelos grupos escutados é de
que o processo da inclusão deve ser compartilhado com vários segmentos
sociais, não ficando apenas ao encargo da escola, ou do professor, como
pode se verificar nas seguintes expressões: “Sou a favor da inclusão,
mas não jogando tudo no professor”; “Acredito na inclusão, mas estou
decepcionada com esse ‘fazer de conta’ de que se está incluindo...”.
Neste sentido, torna-se especialmente relevante à participação
dos diferentes segmentos na implantação dos direitos assegurados em
lei para que os benefícios percebidos na política de inclusão educacional
possam ser efetivados. Não há dúvida de que incluir pessoas com
necessidades educacionais especiais na escola regular pressupõe uma
grande reforma no sistema educacional que implica na fl exibilização ou
adequação do currículo, com modificação das formas de ensinar, avaliar,
trabalhar com grupos em sala de aula e a criação de estruturas físicas
facilitadoras do ingresso e circulação de todas as pessoas.
Em que pesem as inúmeras dificuldades presentes no cotidiano
das escolas, permanece uma expectativa entre educadores e gestores
escolares de que as transformações sociais alcancem a instituição
educativa. O que está em discussão é qual a compreensão que temos
da relação entre escola e sociedade. É pela educação que se transforma
a sociedade, ou a escola é mera reprodutora das estruturas da
sociedade?
A concepção que tem orientado as opiniões de muitos gestores
e educadores que atuam na perspectiva da educação inclusiva é de que
a escola é um dos espaços de ação de transformação. Uma compreensão
que aproxima a idéia de políticas de educação e políticas sociais amplas
que garantam a melhoria da qualidade de vida da população.
Consideradas essas questões, a educação inclusiva implica na
implementação de políticas públicas, na compreensão da inclusão como
processo que não se restringe à relação professor-aluno, mas que seja
concebido como um princípio de educação para todos e valorização das
diferenças, que envolve toda a comunidade escolar.
(Ministério da Educação ,DOCUMENTO SUBSIDIÁRIO À POLÍTICA DE INCLUSÃO, Brasília – 2005, Secretaria de Educação Especial, Coordenação Geral de Articulação da Política de Inclusão. Autores: Simone Mainieri Paulon , Lia Beatriz de Lucca Freitas , Gerson Smiech Pinho)
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