quinta-feira, 2 de novembro de 2017

2.1  A HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO INFANTIL  NO BRASIL


Neste capítulo serão abordadas algumas concepções sobre a história da Educação Infantil no Brasil, a partir do ponto de que a criança passa a ser reconhecia como tal e não como um adulto em miniatura, até a investigação de grandes teóricos como Ariés, Comênio, Montessori, Piaget, Vigotsky, Freinet e outros teóricos que contribuíram para o reconhecimento da criança como um ser em desenvolvimento que necessita brincar, correr, pular e aprender ao longo de seu crescimento.
A sociedade moderna do século XVI trouxe para seu cotidiano grandes mudanças em todos os setores, desde os sociais, morais, econômicos até os culturais e políticos, requerendo um novo contexto social, levando assim a tentativas inovadoras dentro do novo momento histórico pelo qual estava passando; surge então a luta contra o papado católico e o império, sendo que um lutava contra as inovações e o outro contra a igreja e para a implantação dessas novidades no século XVI. Almeida explica:

De um lado, os defensores da manutenção da estrutura social e das prerrogativas da igreja reorganizaram suas escolas de modo a garantir uma educação religiosa e a instrução em disciplinas eclesiásticas, por outro lado, aqueles que se rebelaram contra a estrutura social vigente, clamavam por uma instrução mais democrática, calcada em modelos populares e modernos, que permitissem ao homem lidar com os novos modos de produção, subvertendo as velhas corporações artesanais, permitindo-lhes descobrir e conquistar a nova sociedade (Almeida, 2002, p. 1).

Essa batalha entre “celestial x mundo terreno”[1] exigia uma grande multidão de seguidores de ambos os lados; se por um lado a igreja colocava-se contra as novas mudanças, alegando que seu ensinamento tinha como objetivo o salvamento das almas, o reino de Deus,


os defensores do mundo terreno buscavam algo mais concreto, com novas aprendizagens, novas técnicas de manuseio e outras formas de conquistar a nova sociedade. Encontraram nesse meio tempo vários teóricos que colocavam pontos de vista totalmente contrários uns dos outros: enquanto uns ensinavam na tentativa de salvar as almas, outros ofereciam o domínio das ciências, letras e instrumentos de produção (Almeida, 2002)


2.2  A Educação Infantil e os Grandes Teóricos Mundiais


Até então existiam apenas preocupações educacionais com os adolescentes/ jovens e homens (Almeida, 2002). Foi em meados do século XVII que a criança passou a ser vista como ser humano, fazendo parte das preocupações educacionais; assim, a família iniciou um cuidado maior com a Educação Infantil, que até então era subdividida com outras famílias, como explica Almeida:  

Mudanças significativas ocorreram nas atitudes das famílias em relação às crianças que, inicialmente, eram educadas a partir de aprendizagens adquiridas junto aos adultos e, aos sete anos, a responsabilidade pela sua educação era atribuída à outra família que não a sua. Apesar de uma grande parcela da população infantil continuar sendo educado segundo as antigas práticas de aprendizagem, o surgimento do sentimento de infância provocou mudanças no quadro educacional (Almeida, 2002, p. 2).

Apesar das poucas mudanças, as mesmas foram significativas e inovadoras, portanto, de grande valia para as novas gerações, uma vez que a atual já estava bem debilitada quanto ao quesito educação; as famílias passaram a ter um novo cuidado colocando a criança como prioridade no campo educacional, embora a grande maioria delas relutasse em manter a tradicional forma de educar. Com o surgimento do sentimento de infância que, segundo Ariés (1981), nasce no século VII.
No início do século VII, a criança passa a ter ensinamentos nas áreas de gramática e lógica aristotélica. Campanella (1568-1639) defende o direito de aprender ciências, geografia e os costumes sem parecer enfadonho; aprender isso brincando.
Alguns teóricos do século XVII, como João Amós Comênio, considerado o grande pedagogista do século XVII, escreveu a Carta Magna, uma brilhante obra de desempenho sempre atual, dividida em quatro períodos: infância, puerícia, adolescência e juventude.
No capítulo dedicado à infância, Ariés (1981) atribui aos pais a função de educar com responsabilidade os filhos até os sete anos, e esse capítulo infantil criou aspectos até os dias de hoje utilizados no processo da educação no que diz respeito à educação dos filhos pelas famílias. Mas é a partir do século XVIII que os pequenos passam a ter o seu próprio mundo e começam a sair da visão “adulto em miniatura” para serem os donos de sua infância, de uma educação voltada para ela como realmente é; e é sob o conceito de Jean Piaget que a criança passa a ter seu “período distinto de infância”. Almeida coloca que:

Procuram sempre o homem no menino, sem cuidar no que ele é antes de ser homem. Cumpre, pois, estudar o menino. “Não se conhece a infância; com as falsas idéias que se tem dela, quanto mais longe vão mais se extraviam”. A infância tem maneiras de ver, de pensar, de sentir, que lhes são próprias                     (Almeida, 2002, p. 4).

O conceito educacional até então voltado exclusivamente para o homem, na sua fase adulta, despertou em Rousseau indagações sobre como era o homem antes de o ser. Que fases ele percorreu? Por onde andou? O que fez? Alerta ainda que quanto mais se demorou a estudá-lo, mais informações eram perdidas sobre a sua infância. Rousseau recomenda que a educação esteja ligada à própria vida da criança, propiciando condições de vivê-la o mais intensamente possível.
Um dos grandes teóricos preocupados com a Educação Infantil foi Johann Heinrich Pestalozzi (1746-1827), considerado o “educador da humanidade”, sendo também um dos precursores da educação - influenciado por Rousseau - que no seu sistema pedagógico tinha a ideia de oferecer às crianças a aquisição dos primeiros elementos do saber.
 Já no século XIX, Friedrich Froebel (1782-1852) cria os jardins de infância, onde colocava como ponto principal a cultivação da alma infantil; Froebel fundamentou suas ideias em Pestalozzi, e, aplicando-as, indica que é preciso trabalhar a primeira infância, e essa tarefa se estenderia por todas as suas áreas de desenvolvimento.
No fim do século XIX e meados do século XX, surge a Escola Nova, que rompendo com a igreja católica renova a pedagogia; nesse contexto surge Ovide Decroly (1871-1932) que ao trabalhar com crianças “anormais” se apoiava na atividade individual de cada criança. Criou o sistema em que os fins e os princípios superassem a Escola Tradicional, e concluiu que o que realmente interessa para a criança é ser reconhecida como tal e no lugar em que vive.
Para John Dewey (1859-1952), considerado o teórico da escola ativa, é necessário retirar do professor o direito de saber de tudo e corroborar que o fardo do conhecimento precisa ser dividido, para que professor e aluno possam fazer essa descoberta do conhecimento juntos. Para tanto, o autor enfatiza que é de extrema importância o trabalho coletivo entre docente e discente em busca da construção da cidadania por meio de aulas dialógicas.
Assim, ele defende a criança com seus direitos e seus valores e a formação da personalidade humana, fazendo com que a independência de métodos antigos deixe de existir, provocando mudanças e substituindo os métodos falhos da educação por outros que realmente façam as crianças conceberem o processo de ensino.
 Não seria possível deixar Freinet (1896-1966) passar despercebido no processo de Educação Infantil com suas técnicas de texto, impressos, correspondência escolar, textos livres, livre expressão, aula passeio, o livro vida. Esse leque de eventos faz sentido no contexto de atividade significativa, e com esses apelos as crianças buscavam o conhecimento, pois faziam parte do processo de aquisição da aprendizagem, e assim, em busca de uma satisfação maior, tinham um esforço maior.
Mesmo não sendo pedagogo, Jean Piaget (1896-1980) deixou uma grande e extensa obra sobre descobertas em vários campos, como social, afetivo, biofisiológico e cognitivo, contribuindo para o campo pedagógico, embora essa não tenha sido sua real intenção, como afirma Almeida:

Estou convencido de que os nossos trabalhos podem prestar serviços à educação, na medida em que vão além de uma teoria do aprendizado e permitem vislumbrar outros métodos de aquisição de conhecimentos. Isso é essencial. Mas como não sou pedagogo, não posso dar nenhum conselho aos educadores. A única coisa que posso fazer é fornecer fatos. Além do mais, considero que os educadores estão em condições de encontrar por si mesmos novos métodos pedagógicos (Almeida, 2002 p. 11).

Sendo um não atuante direto no campo pedagógico, Piaget coloca à disposição dos pedagogos os fatos, descobertas e métodos capazes de auxiliarem o educador no processo ensino-aprendizagem da Educação Infantil e outros aspectos relevantes como a construção das noções de tempo e espaço e a gênese das operações lógicas.
Seguindo muitas reiterações de Max, Lev Semenovich Vygostsky (1896-1934) encaixou a criança no centro do processo educacional, alegando que seu desenvolvimento  precisava de toda a atenção, uma vez que nessa fase da vida se trabalha os instrumentos da fala. Assim, o aprendizado pressupõe uma natureza social específica e um processo através do qual a criança penetra na vida intelectual daqueles que o cercam.
O processo educacional infantil, alicerçado em qualquer teórico citado ou não, sempre esteve sendo aplicado pelas mulheres, e quase nunca, ou em algumas épocas, se ouvia falar do gênero masculino na Educação Infantil; ainda hoje esse processo é muito hegemônico quando se trata do gênero feminino como profissional dos anos iniciais. É necessário trabalhar a cidadania para que essa barreira do preconceito deixe de existir, pois o gênero masculino pode ser perfeitamente um ótimo professor de Educação Infantil e ser pai, irmão e amigo ao mesmo tempo.
Até então existiam apenas preocupações educacionais com os adolescentes, jovens e homens. “É em meados do século XVII que a criança tende a ser vista como tal, fazendo parte das preocupações educacionais” (Almeida, 2002). Aqui, a família passa a ter um cuidado maior com a Educação Infantil. Falar da história desse segmento é relembrar coisas que até então pertenciam somente a pais, mães e à família em geral; para chegar ao ponto em que estamos, foi necessário que a criança tivesse porta-vozes. Estes, claro, não poderiam ser outros se não os adultos, que entendiam que a criança era um adulto em miniatura, imputando-lhe regras, deveres e obrigações - como se a mesma o fosse.
Mesmo que o início da preocupação com a Educação Infantil tenha vindo do lado feminino, como afirma Ariés (1981), foi somente no século XX que a primeira mulher se propôs a criar métodos para o desenvolvimento da criança quanto à educação. Maria Montessori (1870-1952) é considerada o mais importante nome no processo de radicalização da criança, como coloca Almeida:

Se abolíssemos não só o nome, mas também o conceito comum de método para substituí-lo por outra indicação, se falássemos de “uma ajuda a fim de que a personalidade humana pudesse conquistar sua independência, de um meio para libertá-la das opressões, dos preconceitos antigos sobre a educação”, então, tudo se tornaria claro. É a personalidade humana e não um método de educação que vamos considerar é a defesa da criança, o reconhecimento científico de sua natureza, a proclamação social de seus direitos que devem substituir os falhos modos de conceber a educação. (Almeida, 2002 p. 10)

Defender a criança com seus direitos e seus valores e a formação da personalidade humana, fazendo com que a independência de métodos antigos deixe de existir, provocando mudanças e substituindo os métodos falhos da educação por outros que realmente façam a criança conceber a educação.
Áries (1981) entra neste cenário como o grande precursor da história da Educação Infantil. Depois de aprofundados estudos, pesquisas e vasto material etnográfico, relata como vivia a criança entre os séculos XII e XVII e qual sua posição na sociedade e na família. De acordo com Rocha:

É sempre, quer ou não, uma história comparativa e regressiva. Partimos necessariamente do que sabemos sobre o comportamento do homem de hoje, como de um modelo ao qual comparamos os dados do passado. Com a condição de, a seguir, considerar o modelo novo, construído com o auxílio dos dados do passado, como uma segunda origem, e descer novamente até o presente, modificando a imagem ingênua que tínhamos no início (Rocha, 2002, p. 53).

Fazer essa comparação entre o passado e o presente coloca Ariés (1981) como um grande exemplo na defesa da criança como ser pensante, capaz de expressar seus sentimentos e ações de forma compreensiva. Porém, não era essa a visão do adulto no passado; por serem pequenas, eram vistas como seres em miniaturas, mas com inteligência desenvolvida. Não necessitavam ser ensinadas ou treinadas, tampouco precisavam de atenção enquanto criança: intituladas como adultos em miniatura, supunha-se que já tivessem maturidade suficiente.
Com essa visão, a criança era tida como um trabalhador normal a partir dos sete anos de idade, “o menor tinha de aprender os ofícios do pai ou da mãe, era tido como substituível”, Rocha (2002). Muitas pessoas definiam a idade da criança como primeira idade. É na infância que nascem os dentes, e esse período dura até os sete anos, e nesse momento aquilo que nasce é chamado de infante[2].
A criança era tida como um ser que não falava direito, portanto, não podia expressar reações ou sentimentos e não tinha o conhecimento da realidade que vivia; por isso, às vezes, depois dos sete anos, era mandada à casa de outras famílias para aprender algo novo, outros costumes, e realizava trabalhos como um adulto. Tudo era comentado na frente das crianças, pois se tinha o conceito que “era apenas um adulto que ainda não cresceu”, como coloca Rocha (2002). Não existem crianças caracterizadas por uma expressão particular, e sim homens de tamanho reduzido, sua inocência infantil não era leva em conta, suas características não eram respeitadas como deveriam ser.
Os pequenos eram tidos como simples objetos, e não se tinha um sentimento de amor, como nos dias atuais. Existia uma “busca pela criança saudável e se a mesma não tinha saúde era substituída por outra sem o menor remoço” Rocha (2000). Foi apenas na metade do século XVII, com a intervenção do poder público e da igreja (que não admitia o infanticídio), que o sentimento de amor materno passa a ser inserido, e a criança tende a ser comparada com o menino Jesus, a ser vista com um anjo pela meiguice; então, aumenta a preocupação com a saúde, a alimentação e os cuidados Rocha (2000). “As condições de higiene foram melhoradas e a preocupação com a saúde das crianças fez com que os pais não aceitassem perdê-las com naturalidade”. E começa a surgir a preocupação com o desenvolvimento e o bem-estar da criança, abrindo uma nova visão da mesma como criança e não mais como um adulto em miniatura.
Com essa nova construção sobre a infância, a criança passa a ser o centro das atenções nas famílias, servindo até mesmo de entretenimento para outros adultos. Segundo Rocha (2000), “ela faz cem pequenas coisinhas: faz carinhos, bate, faz o sinal da cruz, pede desculpas, beija a mão, sacode os ombros, dança, agrada, segura o queixo. Distraio-me com ela horas a fio”. De um ser que era visto como alguém que pensa e pode agir como um adulto, a um ser desejado pelos seus gracejos, sua fragilidade, seus encantos, a criança começa a ter vez e ser vista como importante para uma família e uma sociedade.
Voltando suas atenções para o mais novo objeto de desejo das famílias é que a sociedade passa a ter uma grande preocupação com o futuro dessa criança, criando centros educacionais para cuidar dos pequenos, com regras impostas no processo de doutrinação, onde os mesmos tendem a ser alvo de controle do poder para serem melhores cidadãos dentro dos padrões da sociedade na época, como coloca Rocha:

Com o surgimento desse “novo homem”[3], moderno, aparecem também as primeiras instituições educacionais, permitindo a concepção de que os adultos compreenderam a particularidade da infância e a importância tanto moral como social e metódica das crianças em instituições especiais, adaptadas a essas finalidades (Rocha, 2002, p. 57).

 Com a sua nova posição dentro da sociedade, a criança tende a ter um papel social, dentro da família e no cotidiano, fortalecendo laços entre pais e filhos; essa nova fase da infância é diferenciada, pois se antes era tida como um ser sem valor social até completar uma idade limite, agora ela assume uma posição de destaque dentro de uma família, passando a ser a alegria da casa e um novo foco da sociedade, seja na área educacional, seja como sujeito em construção de si para modificar o espaço social.
Nesse contexto histórico, Ariés (1981) coloca a criança como um ser desprezado e sem valor para a família, mas existem outros teóricos que contestam essa afirmação, “como, por exemplo, Kuhlmann Jr., Gélis, entre outros” como sugere Rocha (2000). Os pais enxergam através de seus filhos a possibilidade da administração dos bens familiares e, consequentemente, a ampliação dessa possessão.
Claro que essa atenção toda era voltada para o sexo masculino; esse seria o herdeiro que comandaria as propriedades familiares e, por consequência, a sua educação teria de ser muito bem feita. Mas não podemos descartar a possibilidade de, em outras épocas, as crianças terem sido alvo de preocupações e cuidados, com suas necessidades infantis atendidas.
A contribuição de Ariés para a construção da história da infância é inegável, mas algumas visões e releituras de outros documentos sobre como as crianças eram tratadas coloca-nos dentro de uma ótica onde se vê apenas a versão de Ariés, porém percebemos uma nova leitura das sociedades que antecederam a Idade Média. Segundo Rocha:

Esses autores, dando voz a diferentes documentos históricos, consideram que a percepção da infância pelos adultos existia em idades mais remotas, ou seja, havia a preocupação com a sobrevivência da criança, com a sua educação, sua religiosidade, os cuidados com o seu corpo, com sua alimentação, enfim, com uma época de aprendizagens, com brinquedos, roupas e construção de móveis e objetos apropriados à criança (Rocha, 2002, p. 57).

Com essa afirmação de Rocha, percebemos que mesmo antes de Ariés já existia uma preocupação com a criança; essa percepção mostra um cuidado diferenciado com a criança, e faz um contraste com a teoria de Ariés, que, embora não estivesse de todo errado, pois só na Idade Média que se observou como as crianças eram tratadas na família e na sociedade. Kuhlmann Jr. (1998) indica que: “A educação seria, pois, o cerne desse processo de elevação, somente os mais abastados financeiramente tinham essas regalias denominadas de educação, e mesmo os mais pobres não estavam desprovidos de tal”.
Mas se já era difícil ter acesso a informações dos mais ricos, imagine das camadas pobres. Não se pode afirmar como um todo que a Idade Média não tinha carinho com suas crianças, contudo é bem certo que elas não eram vistas como seres que proporcionavam um crescimento para a sociedade, e, ao mesmo tempo, também se esperava muito delas, na esperança de assumirem a fortuna e dar continuidade ao sobrenome da família, como destaca Rocha:

As aprendizagens da infância e da adolescência deviam, pois, ao mesmo tempo fortalecer o corpo, aguçar os sentidos, habilitar o indivíduo a superar os revezes da sorte e, principalmente, a transmitir também a vida, a fim de assegurar a continuidade da família (Rocha, 2002, p. 58).

Essa educação era voltada para preparar a criança e colocá-la no mundo adulto, para que a mesma fosse forte desde pequena; assim, era trabalhado o fortalecimento do corpo. Seus sentidos eram extremamente aguçados, a fim de poder desenvolver um bom trabalho quando adulto; eram treinadas também suas habilidades de poder reverter alguma situação conflituosa e, acima de tudo, como não deixar morrer o sobrenome da família, assim como não perder os seus bens e valores - sejam morais ou patrimoniais.
Contraponto Ariés, que coloca a criança apenas como um objeto dentro da família e da sociedade medieval, percebemos que a realidade não era bem assim; existia sim esse descaso, mas não é possível generalizar. O sentimento de infância não seria inexistente em tempos antigos ou na Idade Média, como estudos posteriores mostraram. Esse sentimento pode ser percebido em estudos, relatos e vestígios da Idade Média; não seria possível que uma família que quisesse dar continuidade à sua linhagem não pudesse ser afetiva com seus pequenos.
As afirmações de Ariés, de forma geral, sobre o papel da criança na sociedade e na família, estão ligadas às suas pesquisas, aos seus sujeitos, ou seja, somente a classe rica, que não tinha outra opção a fazer além de instruir a criança para aprender rapidamente tudo que necessitava para ser um adulto, e assim acabar com o lado infantil, como enfatiza Rocha:

Por um lado, temos a criança rica, evidenciada principalmente na particularização da educação de meninos, enclausurados num espaço íntimo com sua família, ocupados com aprendizagens para a vida social, com regras de etiqueta e de moralidade que deveriam saber e seguir, bem como a aprendizagem de música, dança, leitura e a utilização de roupas adequadas às características da criança. Temos também os chamados precoces ou prodígios, por uma elite que acelerava o desenvolvimento de seus filhos homens para fazer demonstrações de seus dotes (Rocha, 2002, p. 58).

Ao acelerar o desenvolvimento, era perdido o lado infantil, mas isso não quer dizer que se perdia o lado afetivo, o lado cuidadoso, embora fosse relatada uma enorme diferença no processo de educação entre as crianças pobres e as mais abastardas financeira, social e culturalmente. E mesmo nas camadas mais pobres a educação existia; crianças participavam de eventos nas praças, com os jogos e brincadeiras de adultos, talvez até vestidas como eles; por outro lado, é possível inferir a existência da infância pobre percebida nas crianças do povo, com filhos de camponeses e artesões, vivendo em espaços compartilhados com todos.
O ser criança, sob a visão de Ariés, era um objeto na Idade Média, que podia realizar coisas e feitos da mesma forma que um adulto, uma vez que ela era tida como um adulto em miniatura, com as mesmas capacidades de compreender, falar e fazer. Ser criança na Idade Média era não brincar e não correr, coisas estas que somente depois de um bom tempo que ela conquistou se perderam: o brincar não existia, pois não tinha tempo; o falar não era compreendido, porque pouco se prestava atenção no que ela falava; desejos e vontades também não eram permitidos de se externar, uma vez que ainda não era um adulto formado. Restava apenas aprender com o que viam e conviviam.
Embora não se possa generalizar essa subsistência da infância na Idade Média, existem conflitos entre escritos que se confrontam e criam dualidades sobre a infância no período. Mas também podemos chegar à conclusão de que se as famílias, principalmente as mais ricas, quisessem manter sua linhagem, seus bens e, sobretudo, seu sobrenome vivo, era necessário que se cuidasse com carinho e atenção de seus filhos. Nesse confronto entre teóricos, onde todos estão corretos dentro de seus achados ao longo do tempo, podemos dizer que a criança depende muito de sua condição financeira para confirmar se teve ou não uma infância como criança.
Ariés (1981) compreende a criança como um ser em miniatura dentro da sociedade e da família, porque era realmente assim vista; coloca também a criança como um elemento cujos pensamentos, falas e atos não eram compreendidos. Ao mesmo tempo alerta que uma sociedade que não cuidava de seus pequenos tinha uma tendência a regredir. Por isso, cita a educação como algo essencial ao desenvolvimento, e ganha aliados para fazer da criança um ser brincante, falante e compreendido no mundo em que vive.




[1] Nesse período, com a ascendência da burguesia, que visava o lucro, travou-se uma grande batalha com a igreja católica, que pregava uma educação mais tradicional e não aceitava os novos métodos de aprendizagem que a burguesia queria implantar.
[2]Infante: o mesmo que criança, que quer dizer não falante, pois nessa idade a mesma não pode falar bem nem formar perfeitamente suas palavras.
[3] Expressão usada para identificar um homem mais moderno, mais ligado com os assuntos familiares, mais carinhoso, cuidadoso com os filhos, que não deixa a responsabilidade da educação somente com a mulher ou esposa.



BIBLIOGRAFIA:
ASSIS:Francisco das Chagas Marques Silva de. A ATUAÇÃO DO GÊNERO MASCULINO NA EDUCAÇÃO INFANTIL: UMA ANÁLISE DA REALIDADE EM DUAS ESCOLAS DE EDUCAÇÃO INFANTIL DE PARNAÍBA-PI. trabalho de conclusão de curso de LICENCIATURA PLENA EM PEDAGOGIA PELA UNIVERSIDADE ESTADUAL DO PIAUI- UESPI. 2013

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